18.5.05

Bioespeleologia

Bioespeleologia
Por: Ana Sofia Reboleira

Bioespeleologia é o ramo da Espeleologia que se dedica ao estudo dos seres vivos que ocorrem no ecossistema cavernícola.

O ambiente cavernícola, é caracterizado por condições ecológicos únicas, que condicionam as formas vida, como a ausência de luz, a temperatura constante, a atmosfera cavernícola e a humidade relativa.

Factores ecológicos importantes:

A luz permite caracterizar a gruta em 3 zonas muito importantes do ponto de vista bioespeleológico: a zona iluminada, zona de penumbra e zona escura ou profunda.

A temperatura é geralmente, constante e igual à média das temperaturas anuais exteriores. Esta varia tendo em conta a forma das galerias, o número de entradas a localização e a altitude das cavidades.

A atmosfera cavernícola é normalmente rica em CO2, proveniente do processo de precipitação de Carbonato de Cálcio e pobre em O2 por fenómenos de oxidação e respiração. A circulação de ar dentro das cavidades depende das correntes de convexão das massas de ar quente e frio, o número de entradas a pressão atmosférica exterior e dimensão e forma das galerias, entre outros factores. A fauna cavernícola evita zonas expostas a circulações de ar intensas, por ser sensível à dessecação.


Na maioria das cavidades a humidade relativa é próxima de 100%. Perto do solo a humidade é mais acentuada.

FLORA CAVERNÍCOLA:
Não se pode falar de uma flora cavernícola propriamente dita, porque sendo dependente da fotossíntese, a flora está confinada à zona iluminada e de penumbra, sendo incapaz de sobreviver na zona profunda. Esta exibe uma gradação quanto à sua distribuição em função da abundância de luz: plantas superiores, seguidas de Briófitos e algas endolíticas.

FUNGOS:
Os fungos desenvolvem-se por cima de matéria orgânica, digerindo-a. Estes formam esporos que só germinam em condições favoráveis. São mais comuns em zonas de aporte de matéria orgânica.

COMUNIDADE BACTERIANA:
São os organismos vivos mais abundantes no meio cavernícola. Na zonas com luz existem cianobactérias, bactérias fotossíntéticas, que na maior parte das vezes vivem dentro da rocha (endolíticas). As bactérias heterotróficas ocupam-se da decomposição da matéria orgânica, as quimiolitotróficas vivem nas argilas e nos calcários sendo capazes de produzir matéria orgânica a partir de matéria mineral, e as nanobactérias, de dimensões ínfimas que são abundantes em rochas e minerais.

FAUNA:
Podem-se classificar os animais com base na forma como utilizam o ambiente cavernícola, em: troglóxenos, troglófilos e troglóbios, de acordo com Racovitza (1904).

Trogloxenos:
São hóspedes ocasionais, podem ser encontrados nas grutas devido a mudanças de condições climatéricas exteriores ou por acidente. Os mais comuns são os anfíbios (Salamandras e Sapos) e os répteis (Lagartos e Cobras).

Troglófilos:
São animais que não vivem exclusivamente nas cavernas, mas que as utilizam em fases do seu ciclo de vida, para abrigo ou reprodução. São exemplo, várias espécies de morcegos, a gralha de bico vermelho e vários insectos.
Morcegos – Mamíferos quirópteros:
São os mais característicos da nossa fauna cavernícola. Estes não possuem asas, voam recorrendo a uma membrana interdigital. Têm uma visão reduzida e orientam-se por um processo de ecolocação, emitindo ultra-sons pela laringe que são captados após serem reflectidos e se baseia-se no fenómeno físico do Efeito de Doppler. Estes hibernam no Inverno, sozinhos ou em colónias, conforme a espécie. Nos climas temperados alimentam-se, essencialmente, de insectos. Os morcegos são vectores de doenças graves, como a raiva (através da mordedura) e a histoplasmose e criptococose (por via aérea, através de esporos existentes no guano).

Fauna do Guano:
A existência de dejectos de morcegos suporta um tipo de fauna que não se considera verdadeiramente cavernícola. É designada a Fauna do Guano e é composta pelos Guanóbios, que se alimentam guano e os Guanófilos que vivem mais afastados e são os predadores do guanóbios.


Troglóbios – os verdadeiros cavernícolas:
São organismos altamente especializados e perfeitamente adaptados ao meio cavernícola, sendo dele exclusivos. A maioria pertence ao filo Arthropoda (ex: aranhas, centopeias, peudoescorpiões, insectos)
Estes organismos exibem troglomorfismos, adaptações ao meio cavernícola, e sofreram uma evolução no sentido da poupança energética. São altamente sensíveis às perturbações e a sua única garantia de sobrevivência é a conservação do meio em que vivem.

Adaptações dos troglóbios:


Despigmentação
Resulta da perda de pigmentos, pode ser total ou parcial, como resultado da ausência de luz, umas vez que os pigmentos servem principalmente, para proteger o animal da radiação solar. Desta forma o troglóbio apresenta coloração branca, no caso da despigmentação total ou avermelhada, no caso parcial.

Redução oftálmica ou Anoftalmia:
É a regressão das estruturas oculares ou a sua inexistência no estado adulto, como resposta à ausência de luz. No estado embrionário ou larvar ainda possuem as estruturas oculares que vão regredindo à medida que se dá o desenvolvimento.

Alongamento dos apêndices e do corpo:
Resultante da perda da visão, os animais privilegiam outros sentidos, como o tacto e o olfacto, órgãos tácteis como as antenas apresentam-se muito desenvolvidos.

Inviabilização das asas ou apterismo:
Adaptação dos insectos e coleópteros, que em virtude de não necessitarem de voar, deixam de ter asas funcionais, podendo mesmo inexistirem.

Redução ou aumento de tamanho:
Há uma tendência para o nanismo ou gigantismo, comparativamente com os seus parentes que vivem à superfície (formas epígeas).

Estados larvares reduzidos e produção de menos ovos:
Como resposta a uma poupança energética. Aposta mais forte na quantidade de nutrientes em cada ovo, de forma a garantir a sobrevivência nos primeiros tempos de vida.

Elevada capacidade de armazenamento de nutrientes:
Num meio onde as fontes de nutrientes não abundam, estes organismos têm a capacidade de passar longos períodos em jejum.

Taxa metabólica baixa:
Estes organismos exibem uma taxa metabólica inferior aos epígeos, o que lhes permite uma maior longevidade.

Ritmos de vida:
Estes organismos perdem alguns ritmos internos, como o circadino, uma vez, que não se regem pelo ritmo solar. Pensa-se que os seus ritmos sejam controlados pelas quantidades de àgua.

O Proteus anguinus

É o troglóbio mais emblemático, é endémico da Eslovénia e símbolo do país. Habita exclusivamente as cavidades e vive preferencialmente dentro de àgua. É um anfíbio urodelo, despigmentado e anoftálmico. Possui características primitivas no seu estado adulto. Tem três tipos diferentes de respiração, as 6 brânquias externas que lhe permitem respirar dentro de água, 1 par de pulmões funcionais e pode realizar trocas gasosas por hematose cutânea (através da pele). Atinge a maturidade sexual entre os 14 e os 18 anos, e é simultaneamente ovíparo e vivíparo, isto é, tanto pode por ovos como ter gestação embrionária. Mede cerca de 30 centímeros e pode chegar a viver 100 anos. Tem uma elevada resistência a jejuns prolongados, pode passar um ano sem se alimentar. A sua existência foi durante muitos anos envolta em mistério, era tido pelas populações locais como um juvenil de grandes dragões que habitavam as cavernas.

No habitat subterrâneo, a matéria orgânica que suporta a vida vem sobretudo do exterior. Transportada pela água, através de sumidouros ou infiltrações difusas, restos orgânicos em decomposição que caem nas entradas das grutas, através do guano produzido pelos morcegos ou ainda através do ar, por esporos, bactérias e sementes. Estes aportes de matéria orgânica permitem a sobrevivência de grande parte da vida subterrânea.

Mas também pode haver produção de matéria orgânica nas profundezas das cavidades, neste caso, as bactérias quimiolitotróficas capazes de converter matéria mineral em orgânica encontram-se na base da cadeia alimentar, suportando todos os niveis superiores da cadeia.






Dados Históricos:

O mundo subterrâneo, desde cedo, cativou o homem e muito se extrapolou sobre monstros que habitavam as profundezas das cavernas.
A história da bioespeleologia começa em 1689, quando
Barão Johann Weichard Valvasor descreve a existência de um ‘dragão’ que habita o mundo subterrâneo, que 79 anos é descrito por Laurenti como sendo o anfíbio troglóbio Proteus anguinus.

Em 1831, o Conde Franz von Hohenwart recolhe o primeiro insecto cavernícola, e em 1849, Schiodte publica “Specimen Faunae subterraneae”.
Só em 1904, Armand Viré introduz o termo bioespeleologia e 45 anos depois, Jeannel funda em França o Laboratório Subterrâneo de Moulis.
Racovitza (1868-1947) de nacionalidade romena, é considerado o pai da bioespeleologia moderna. Com os seus discípulos realizou mais de 50 expedições por toda a Europa, América e África.
Em 1965, A.Vandel, na altura director do laboratório subterrâneo, publica “Biospéology, la biologie des Animaux cavernicoles” em 1965, uma obra de referência incontornável, que recolhe a maioria da informação até à época.
Actualmente, existem muitos trabalhos publicados, quer por laboratórios subterrâneos, quer por unidades de investigação. Esta é uma área com muito potencial, da qual se sabe ainda muito pouco.








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